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Navegue rápido, navegue rápido,
Arca das minhas esperanças, Arca dos meus sonhos.
Varra majestosamente sobre o passado afogado,
Voe brilhando através dos estranhos raios do sol.
Navegue rápido, navegue rápido.
Estes versos foram retirados do poema Arca dos meus sonhos, de autoria do poeta norte-americano Sidney Lanier. Se eu pudesse sintetizar de maneira poética a minha trajetória no esporte, certamente utilizaria estas palavras. O curioso é que Lanier e eu temos algo mais em comum.
Quinze anos depois de iniciar no esporte, eu entendi que existia uma distância oceânica entre o meu porto de partida e o sonho olímpico. Daí surgiu uma metáfora de minha autoria: chegar numa olimpíada, para um jovem de periferia, era como ir para a Lua. Em um país tão desigual esta simbologia utópica acaba servindo muito bem. De qualquer maneira, se as oportunidades me foram poucas, o desejo de voar alto se tornou o meu principal combustível.
Sabe-se que dos Estados Unidos partiu a primeira expedição que levou o homem à lua. Sendo assim, não podia ser outro o cenário para eu me lançar no espaço. Se a lua era o meu destino, o caiaque em um foguete eu transformei. Foi assim que, para conquistar a vaga olímpica de 2016, em maio do mesmo ano eu desembarquei em Atlanta, nos EUA. Esta cidade, 20 anos antes, havia sediado os Jogos Olímpicos. Talvez por isso, já na chegada, lembro que eu sentia algo diferente no ar por lá.
A competição que eu iria disputar se tratava de um Pan-Americano. A regra era bem simples: apenas o primeiro colocado carimbaria o passaporte para o Rio. Na disputa, além dos remadores da casa, havia outros de países eminentes no esporte como o Canadá, Argentina, México e Cuba. Lembro-me de muitas ocasiões em que eu comemorei a medalha de prata com alegria. Como no Pan de Toronto, por exemplo. Só que neste caso, nada me interessava além da vitória. Uma década e meia de esforço e suor estava em jogo. Eu não podia imaginar assistir uma olimpíada no Brasil, sentado no sofá da minha casa.
Para fins de aclimatação chegamos uma semana antes da prova em Atlanta. Foram dias importantes para treinar, mas também para eu me recuperar de dores na coluna. Isso porque uma protusão de disco resolveu dar as caras naquele momento tão decisivo. A segunda lesão em cinco anos. Talvez isso fosse parte do ar rarefeito que acomete os que tentam sair da atmosfera terrena. Mas que nada, algumas injeções de analgesia para inibir a dor e tudo estava pronto para o lançamento.
Vinte e um de maio, o grande dia havia chegado. Na minha categoria, a disputa duraria pouco mais de 30 segundos. Entre a largada e a linha de chagada, 200m de água. Uma prova de velocidade máxima. Poucos milésimos separariam o silêncio da derrota, do grito da vitória. Uma remada em falso e tudo estava perdido.
Antes da largada, ainda no aquecimento, muitas coisas se passavam na minha cabeça. Olimpíada é algo que acontece a cada 4 anos. Portanto, eu já havia decidido que aquela seria a minha última tentativa de disputar uma. Diferente de Londres, em 2012, em que a vaga escapou por muito pouco, eu não teria motivação para seguir mais um ciclo. Atenção ao sinal sonoro! O árbitro chama os competidores para o alinhamento. Naquele instante, lembrei de uma frase do Ayrton Senna, proferida após a sua primeira vitória no Brasil, quando ele enfrentou diversos problemas no carro durante a corrida. "Vai ter que dar, eu lutei tanto pra isso, tantos anos pra chegar aqui, vai ter que dar''. E deu. Argentina em terceiro, Canadá em segundo e o Brasil em primeiro, no topo das Américas.
O grito da vitória saiu do meu peito como algo que estava enclausurado por anos. O meu foguete havia ganhado o espaço. Eu só gritava, faltavam-me palavras para explicar o que estava sentido. Do lago Lanier, que foi batizado em homenagem ao poeta Lanier, eu naveguei rápido para chegar na lua. Hoje eu sou grato a Lanier e sua poesia, a Lanier e o seu lago olímpico.